Honestino Guimarães: quem foi o estudante torturado e morto pela ditadura há 52 anos; Bruno Gagliasso estrela cinebiografia
11/10/2025
(Foto: Reprodução) Trailer do filme 'Honestino', com Bruno Gagliasso
Na última sexta-feira (10), um dos episódios mais tristes e emblemáticos da ditadura militar no Distrito Federal completou 52 anos: o desaparecimento do líder estudantil Honestino Guimarães, aos 26 anos.
Nesse período, Honestino virou um dos símbolos da luta contra o autoritarismo – o Diretório Central dos Estudantes da Universidade de Brasília (UnB) e uma das principais pontes da capital, por exemplo, receberam o nome do jovem.
Mesmo cinco décadas depois, a memória de Honestino e as lacunas deixadas na trajetória do estudante ainda despertam interesse:
na quinta (9), a cinebiografia "Honestino", com Bruno Gagliasso no papel-título, estreou no Festival de CInema do Rio – o mais prestigiado do país;
ainda este ano, o Iphan e a UnB devem concluir um mapeamento do local onde Honestino teria sido torturado, material que embasa o pedido de tombamento da área.
Conheça abaixo, em detalhes, o que se sabe sobre os momentos finais de Honestino Guimarães – e o que ainda não foi esclarecido.
Observatório de desaparecidos é lançado no dia do aniversário de Honestino Guimarães
Desaparecimento e tortura
No dia 10 de outubro de 1973, o então líder da União Nacional dos Estudantes (UNE) no Distrito Federal, Honestino Guimarães, foi sequestrado e preso pelo regime militar no Rio de Janeiro.
Dias após o sequestro, a mãe de Honestino, Maria Rosa Leite Monteiro, recebeu, em Brasília, um bilhete informando que o filho havia sido “internado”.
O termo era usado entre familiares e militantes como um código para indicar que alguém havia sido preso pela repressão.
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A partir daí, Maria começa uma longa busca por respostas, que a leva ao Rio de Janeiro, São Paulo e novamente à capital federal, sem jamais encontrar o filho.
Meses depois, na véspera de Natal de 1973, ela foi chamada ao Pelotão de Investigações Criminais (PIC), em Brasília, sob a promessa de que Honestino estaria preso ali.
Quando chegou, ele não estava lá. Nenhuma autoridade confirmou oficialmente o paradeiro do estudante.
Documento de identificação de Honestino Guimarães no curso de futurologia ministrado por Gilberto Freyre na Universidade de Brasília
Reprodução
PIC: o local da prisão e da tortura
O Pelotão de Investigações Criminais (PIC) de Brasília foi o ponto central de prisão política e tortura no DF durante aqueles anos.
Apesar de pouco conhecido pelas gerações atuais, o PIC está na memória de muitos jovens das décadas de 60 e 70 que foram presos e torturados no local.
Essas memórias foram evidenciadas anos depois, na Comissão da Verdade da Universidade de Brasília (UnB) com relatos de parte desses estudantes. E, mais recentemente, em audiência pública realizada no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em agosto de 2025.
Documento relata à UnB prisão de alguns estudantes da universidade em 1968, dentre eles, o militante Honestino Guimarães
Arquivo Público Nacional
Honestino foi um desses jovens. Preso oficialmente no PIC em 1968, teve sua tortura confirmada por relatos de companheiros de prisão.
Essa prisão aconteceu cinco anos antes do desaparecimento do estudante, e nos chamados "anos de chumbo" da ditadura, durante o governo Médici.
Em 2021, o Ministério Público Federal solicitou o início do processo de tombamento do edifício, atendendo à recomendação da Comissão Nacional da Verdade de preservar locais marcados por graves violações de direitos humanos.
Desde então, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) buscou desenvolver os estudos correspondentes aos chamados “Patrimônios Sensíveis”.
O nome se refere aos espaços relacionados a memórias dolorosas, trágicas ou conflituosas. O período da escravidão e a ditadura militar são alguns exemplos.
O PIC é um desses lugares,. A estrutura fica no interior do Batalhão de Polícia do Exército de Brasília, no Setor Militar Urbano.
Em parceria com o Departamento de História da UnB, o Iphan desenvolve um projeto sobre os lugares de memória da resistência à ditadura militar no Distrito Federal.
Segundo o Iphan, os produtos dessa parceria estarão disponíveis ainda em 2025.
"E darão insumos para a instrução do processo que avaliará a possibilidade de tombamento do PIC, e que também resultará em um mapeamento e em uma publicação, bem como um programa de educação patrimonial, com a confecção de material didático", diz o instituto.
O projeto "Outras Brasílias", fruto da parceria entre Iphan e UnB, quer preservar e reconhecer os "lugares, sujeitos e episódios" que marcaram esse período da história brasileira no DF.
A tortura, a morte e as dúvidas
Segundo o professor de História e pesquisador da UnB, Daniel Faria, integrante do projeto, o desaparecimento e a morte de Honestino ainda são questões "nebulosas".
Até hoje, não é possível dizer nem mesmmo se o estudante estava preso no PIC quando sua mãe foi chamada ou se ele já tinha sido assassinado.
O professor também ressalta que, além da tortura física imposta a Honestino e outros militantes, o PIC e seus agentes recorreram à "tortura psicológica" contra a mãe, Maria Rosa. Era uma tentativa de silenciá-la e desmotivá-la a seguir buscando respostas sobre o paradeiro do filho.
Para ele, o PIC era o centro da repressão politica e tortura em Brasília. Os registros de lá poderiam ser uma fonte para descobrir o que de fato aconteceu com Honestino.
"Eu acredito que no PIC, aqui em Brasília, estaria uma possível resposta do que aconteceu com o Honestino. Que é uma resposta que até hoje a gente não tem".
Os relatos sobre o PIC indicam que uma "tortura elaborada" era praticada no local, com diversos métodos. O g1 optou por não identificar os autores das descrições.
As torturas físicas e "científicas" incluíam:
Espancamento
Afogamento
Pau de arara
Eletrochoque
As torturas psicológicas incluíam:
Luz forte sempre ligada
Música alta
Ameaças
Tudo o que se sabe sobre o caso de Honestino Guimarães e o PIC ainda é baseado em aproximações. Para Daniel Faria, apenas as pesquisas sobre o período serão capazes de lançar luz sobre o que realmente se passou atrás dos muros da repressão.
'Honestino', o filme
Começam as filmagens da cinebiografia de Honestino Guimarães
O filme "Honestino", que deve ser lançado em circuito comercial nos próximos meses, é uma mistura entre documentário e ficção.
As gravações começaram em 2024, tendo como cenário espaços marcados pela luta do militante em Brasília, como a UnB e a via W3.
A primeira exibição ao grande público foi realizada na quinta-feira (9), no festival de Cinema no Rio.
Dirigido pelo documentarista Aurélio Michiles, o filme traz Bruno Gagliasso no papel de Honestino Guimarães e reúne depoimentos de familiares, amigos e ex-companheiros de militância.
Após o festival, o filme deve passar ainda por outros eventos nacionais e internacionais, antes de entrar em circuito comercial.
Até este sábado (11), não havia datas confirmadas para a exibição do filme no DF.
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Agora, 52 anos depois de sua morte, Honestino tem sua história contada em filme.
Atualmente, um projeto desenvolvido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em parceria com o Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB), realiza estudos sobre os lugares de memória da resistência à Ditadura Militar no Distrito Federal, buscando preservar e reconhecer os espaços que marcaram esse período da história brasileira.